14.4.13

Para minha tia-avó


Na minha casa, quando era criança, morava uma tia-avó muito querida, a tia Hilda. Mulher de fibra, feminista sem usar a alcunha, foi adotada por minha mãe em seus últimos anos de vida.

Ela era, para todos os efeitos, minha terceira vó. Minhas lembranças mais antigas dela, quando ainda morava no Rio com a madrinha da minha mãe, já eram dela como uma senhorinha. O diminutivo é apenas uma forma carinhosa de me referir a ela: tia Hilda era grande, tanto de peso quanto de personalidade.

Em seu tempo, ela foi desbravadora. Viajou todo o Brasil implantando uma estrutura telefônica quando ninguém sabia o que era isso. Chegou a trabalhar na recém-criada Brasília quando aqui tudo era apenas barro e obras. E isso sem marido do lado, numa época que tal situação era impensável.

Mas voltemos à minha infância. Tia Hilda era uma senhora naquela época, tentando viver a velhice com dignidade, apesar da bengala e dos muitos remédios que tomava diariamente. Era consumidora feroz de palavras cruzadas, de quem peguei a mania - ela me ensinou muitas palavras que não apareciam nos livros infanto-juvenis. Todo dia tia Hilda e minha vó jogavam buraco. E todo dia ela roubava, piscando para mim como moleque enquanto minha vó soltava fogo pelas ventas.

Viver a velhice com pouca indepedência, especialmente para quem nunca foi acostumado a viver assim, pode ser traiçoeiro. Sei que rolavam rusgas e mal-estar, que os adultos mantinham longe das crianças, especialmente de mim. Mas quando olho para trás tudo é aprendizado. Participar da velhice dela e da minha vó me ajudaram a reconhecer o valor dos outros e me fizeram melhor ouvinte. Pensar nelas me faz pensar na minha própria velhice. E isso é bom.

Tia Hilda morreu quando eu era adolescente, enquanto eu viajava com o grupo do ballet que participava. Minha mãe sabia que aconteceria e fez questão que eu não estivesse presente. Eu entendo, mas gostaria de estar lá.

Uma das atividades que minha tia-vó inventou para passar o tempo foi organizar todas - eu disse todas - as centenas de receitas espalhadas em revistas velhas, caixas e livros. Ela sentava num quartinho dos fundos, meio depósito, meio ateliê, recortava, colava e copiava as receitas em fichários, que depois iam para a caixa de "doces" e a de "salgados".

Tem muita coisa que nunca foi testada; outras têm nome, sobrenome e marcas de massa no papel - o melhor atestado de qualidade que uma receita pode conquistar.

Em alguma das últimas mudanças de casa, minha mãe perguntou se eu queria. Ou eu que pedi, não lembro mais. Sei que essas caixas já me acompanham há pelo menos dez anos. Sempre que as abro, o cheiro é da tia Hilda. É um cheiro cheio de lembranças e saudade, cheio de histórias que ela contava e que nós construímos juntas.

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Sempre que preciso de uma receita tradicional, daquelas que toda família tem sua versão, é para as caixas que eu corro.

Neste fim de semana, com seis claras sobrando de outra receita, fui atrás de instruções para fazer um pudim de claras. Até fui checar na blogosfera se havia outras opções, e há, mas apostei na tradição. E deu certo.


Pudim de claras
- Seis claras
- 12 colheres de sopa de açúcar

Para a calda:
- 2 xícaras de açúcar
- 1 xícara de água

Faça a calda caramelizada, colocando o açúcar e a água numa forma grande com furo em fogo baixo até dourar. Enquanto ela estiver quente, gire a forma para a calda grudar nas paredes.

Bata as claras em neve até formar picos. Acrescente o açúcar de duas em duas colheres, sem parar de bater, até o ponto de suspiro. Coloque na forma e asse em banho-maria, em forno médio preaquecido, por cerca de 30 minutos, até dourar.

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